As histórias, crônicas, contos, causos. Exercícios de eloquência.

Wednesday, September 27, 2006

Adeus agosto, em agosto há Deus.

Pôr-do-sol  de  Colatina




"A lição sabemos de cor. Só nos resta aprender."- Fernando Brant


Sem perceber eu havia escorado os cotovelos no parapeito da varanda. Nem fora o vento, que não havia, que teria me açulado àquele gesto. Às vezes até uma folha que se desprende da cabreúva que se expõe magnífica à vista da varanda lá de casa, faz-me mover. Estranho, uma dispersão ajuntada de abatimento incomum, houvera me paralisado. Busquei recrear minha vista no rio e nos prados do seu entorno. O rio assoreado expunha em seu leito vastos e múltiplos bancos de areia, jogando na nossa cara o descaso antigo; e pelo longe, na direção de Santa Margarida, brotava uma fumaça de queimada de pasto que se espalhava pelo vale, tornando ainda mais débil a luz daquela monótona tarde. Era curioso como o fogo na pastagem se aproximava de uma solitária árvore que lembrava o cedro estampado na bandeira do Líbano. Inevitavelmente vinha-me à mente as imagens dos escombros dos prédios em ferragens retorcidas, os tantos mortos, as gentes em desespero tentando fugir dos bombardeios de Israel sobre Beirute e outras cidades Libanesas, para aniquilar a qualquer preço o Hizbollah. Era agosto.

Sempre fugi de ser estúpido. Corro de ser estúpido e tropeço na estupidez. Não queria acreditar que agosto fosse o mês do desgosto. Já ouvira isso, mesmo lá dentro de casa. Pensei no agosto passado, havia tomado a minha primeira multa de trânsito em anos de habilitado. Dias depois, as dezesseis válvulas do motor de meu carro se multiplicaram em prejuízos (até pensei em pagar o Visa com o Mastercard). Lembrei-me do balaço do Getúlio, da “noite de São Bartolomeu ou massacre em nome de Deus” e do falecimento de parentes naquele mês. Pronto: Já tinha me transformado num completo estúpido.

Tirei os cotovelos. Pensar é essencialmente errar – já dizia o Caeiro. Resolvi agir espairecendo-me pela cidade. Estava de férias, afinal. A locadora de vídeos, iria lá. Na altura do Colégio Antônio Nicchio, que mal, encontrei pedras no caminho, não pedras quaisquer. Eram pedras enormes de granito, sobre fileiras intermináveis de carretas que faziam um manifesto e bloqueavam o meu caminho e de tantas outras gentes. Queriam os carreteiros a revogação do decreto de proibição de trafegarem pelas vias da cidade. Deixei estacionado o carro no lugar até onde pude chegar. Caminhando vi o Gu Braga. Acenou-me, e por obrigação, como quem joga algo fora, respondi ao aceno.

Atravessei o quase quilômetro inteiro da Florentino Ávidos a pé. Já fizera aquilo antes e me parecia que fora há muitos séculos. Nos séculos em que havia o supermercado Morita, a Loja Odontótica, a Caderneta de Poupança Tamoyo. Nos séculos em que eu não perdia por nada os filmes do Giuliano Gemma, nas matinês do Cine Gama ou do Cine Idelmar. E tampouco as domingueiras do Clube ACD. Quando do Zoológico do CREB: quantos e quantos ontens!

Uma lâmina d’água que não encobria sequer um tornozelo, era o que passava debaixo daquela ponte. A despeito de tudo, mesmo que se passasse um caudaloso rio ali, não me jogaria. O “troço” estava ruim mas não era para morrer. Mesmo que fosse pra morrer, teria que ser bonito (se é que se pode). Talvez numa colisão com aquele trambolho com a inscrição “Bondinho da Alegria” que trafega pela cidade, carregando os pequenos, até pela noite, sem cintos de segurança, em bancos de madeira, a fazer festa. Mas que por um milagre nenhuma criança, e ninguém mais se ferisse, que só eu morresse. Assim notar-se-ia o desserviço à educação no trânsito, um descalabro da nossa cidade, onde se multa por causa do carona sem cinto e deixa-se ganhar dinheiro às custas de riscos para inocentes. Mas não queria morrer. Os olhos que vêem tão moribundo o doce rio, querem mais ver!

Então desci pela cabeça da ponte – a nossa ponte tem cabeça e quebra-molas – entrei na primeira Lan House que veio a frente, para mergulhar no mundo virtual. Queria outro mundo, encontrar meus amigos. Foi então que entre Messengers, e-mails e orkuts, lá estava escrito no perfil do Bonatinho no orkut, como uma fogueira num dia gelado: “Um rapaz humilde, de boa índole e apaixonado pelos estudos (belelza)!!!(...) E com o coraçãozinho acelerado por uma paixão, completamente cheio pela namorada, que quando está perto me tira o fôlego, me deixa bobo e com vontade de nunca mais ter que me despedir... Margarida, amo você!!!”

Fez-me mover bem mais que as folhas da cabreúva. Desconfiei que me enganara sobre agosto. Já me fazia bem saber da festa de aniversário da cidade, ver toda a gente a passar nas ruas. Esqueci-me das mentiras que me contei...

A verdade era agosto o mês de decisão. O descuido com o carro vinha de outros meses, o problema do trânsito da cidade era de muitos janeiros. O rio nos expõe em agosto o seu definhamento, para que, quem sabe o salvemos. E foi bem nesse agosto que começou a construção da outra ponte sobre o Pancas, para tirar da cidade o trânsito das medonhas caretas.

Ao retornar, no mesmo a pé, pela Florentino Ávidos, notei um pôr-do-sol que nunca vira neste e nem em outros séculos com os mesmos olhos que a terra não há de comer tão cedo e que do mais tem um coração lá dentro. Havia Deus em agosto.


Sandra de Sá: Bye Bye Tristeza

Catedral: Sol de Primavera







Saturday, September 23, 2006

O canguru e o meu cachorro não são chatos.

Brizola



"Qualquer coisa que encoraje o crescimento de laços emocionais tem que servir contra as guerras."
(Sigmund Freud)

Não sei por que mãos o bicho chegou lá em casa. Disseram que um moleque o deixou bem ali, perto da entrada, onde ninguém o negligenciaria. Do que duvido. Ninguém tira da minha cabeça que isso fora coisa da Gabriela, filha do Dino.

Um vira-latas, ainda muito tenro, que adorava afagos. Com o cuidado que carecia e cara de indigente, tomei partido dos que achavam por bem que a família deveria criar o cãozinho. E foi. Meu pai deu-lhe o nome Brizola. Eu preferia Fred. Crescia que quase se via. Afeiçoei-me ao bicho e ele a mim. Incrível, ele conhecia até o barulho do meu carro. Quando engatava a segunda marcha e virava a esquina para minha casa, meu olhar encontrava o Brizola, todo sentinela, a abanar cauda. Ele lá cheio de orgulho de seu dono. Me amava.

Ninguém é perfeito pra ninguém. Eu era perfeito para o Brizola. Dele só não gostava da efusividade com que me recebia quando eu chegava altas horas em casa. Eu sabia que minha vizinha do lado da rua, vivia a vigiar a que horas eu chegava. Não sei bem a que propósitos, mas sabia que me espreitava. E o Brizola, escandaloso, com sus latidos de declaração, acabava avisando a vizinha. Então, quando sabia que voltaria tarde da noite, embrulhava umas salsichas e guardava no porta-luvas do carro. Salsicha era a única coisa que o fazia desistir momentaneamente de mim. E foi assim muitas vezes, até um dia que o notei jururu. No outro dia mais jururu ainda. Pensei que fosse falta de fêmea, mas não. O Brizola fora acometido por cinomose e a cada dia ficava mais debilitado. Mesmo não podendo movimentar a anca, se arrastava para chegar até mim, pra ganhar um afago. Me cortava o coração ver aquilo. Era questão de dias, o Maradora do Fonsin, já tinha ido com menos tempo. O pessoal do controle de zoonoses resolveu poupar-nos do padecimento e levaram o Brizola para o sacrifício.

Resolvi que dali em diante nunca mais teria um animal de estimação. E de fato não os tive. O único bicho que me divertiu depois, foi um canguru que encontrei na sessão de piadas da revista Playboy. Era hilária demais, apesar de achar que só eu me divertia com aquela piada. Certa feita, na despedida do professor Jorge Campos, que retornaria ao Rio, todos alegres, depois de umas “geladas”, resolveram contar anedotas. Uma atrás da outra e forte gargalhadas. Pensei “vou arrebentar com a minha piada. E mandei meu canguru. Coitado de mim: tímidos risos pra não perder o amigo.

Resolvi deixar o canguru de lado.

Dia desses, estando com meu amigo Ruan Carlos, notei-o um tanto “deprê” – Aê, solta um sorriso aí, otário – falei pra ele. E nada. Nem um “três oitão” fazia o menino rir. Então como numa mágica que não se pode explicar, soltei o canguru. “Ruan, certa vez no oeste bravio, um canguru adentrou um saloon a saltitar, debruçou-se no balcão e pediu uma dose de martíni seco. O barman, mesmo abismado, atendeu sem hesitação o pedido do inusitado cliente. Depois de tragar calmamente uma segunda dose, o canguru pede a conta ao garçon, que lhe cobra dez reais. O marsupial paga. O garçon não se contendo diz: “desculpe-me, mas devo lhe dizer que é a primeira vez que atendo um canguru”. O canguru mira-lhe com os olhos e responde: “com o preço que vocês estão cobrando será a primeira e última”.

Foi o bastante para lhe botar alegria. Até hoje ele ri do canguru. Não sei, mas acho que a piada caiu-lhe bem porque ele gosta de bichos. Outro dia ficou um tempão na Gaiola de ouro, aquela loja de animais da Cassiano Castelo, a olhar os cachorrinhos na gaiola.

Para ouvir: Forever Young (acústico)- Alphaville




Thursday, September 21, 2006

O fantasma do Cruzeiro de Marilândia e fantasmas outros.

Fantasmas existem

Mijavam-se de medo. Digo melhor: mijavam-se por medo. Isso de saci, mula-sem-cabeça, capeta, sempre botei mais crença que em papai Noel. A molecada do meu colégio primário, naqueles anos oitenta, talvez acreditasse mais no Noel. Mas da loira do banheiro, comungávamos o mesmo sombrio e mórbido temor.
Quando cresci só um pouco mais, desconfiei que essa estória de loira do banheiro ou “mulher de algodão”, era lorota das professoras. Uma “veaca” invencionisse das “tias” afim de evitar a pedição para ir ao banheiro na hora da aula. Elas falavam do espectro, davam diversas versões à sua origem, mas no final, ela sempre se abrigava morta-viva, no banheiro da escola. Pálida e com algodão nos burracos do nariz, para não derramar o sangue, que desprendia, em decorrência de um bárbaro assassinato.
Lembro lá longe, na quarta-série, da menina que teve de voltar pra casa para trocar as roupas de baixo. A professora nos disse que em tempo frio era comum se ter incontinência urinária. Até hoje nunca soube de alguém que tenha mijado nas calças por causa de frio. Ainda se Colatina fizesse algum frio. Medo. Puro medo.Nos recreios íamos aos bandos no mictório. Ninguém queria terminar por último. Havia sempre as “gracinhas” de se empurrar o retardatário e fechar a porta e segurá-la para fazer o desinfeliz, que já urinara, borrar-se de medo. E como curtíamos isso! Nós, um bando de poltrinhos de ventas largas a respirar felicidade, a aproveitar da vida até o bagaço.Lá em casa, meu avô já dizia que brincadeira tem aquilo “vermeio”, começa “bunitu” e termina feio. Feito como dito: num dia que nem estava frio, a molecada se espremia para se aliviar no mictório. Sobrei. Quando debandaram para fechar a porta, tentei segurar um franzininho, que escorregou no piso molhado de urina, batendo a testa na quina do lavatório. Uma testa rachada e o sangue novo, sem hiperbolismo, corria em bicas. Lixaram-me moralmente todos. “O grandão havia passado a perna no menininho raquítico”. Primeiros socorros: pó de café pra estancar o sangue. Coisa das merendeiras. Foram à casa do menino, que morava perto da escola, para avisar a mãe. Não estava, costurava o dia todo numa fábrica. Eram pobres. E eu mais ainda. Não me lembro de tanto mais. Embotaram-se os detalhes. Sei que depois daquele dia perdi completamente o medo da “mulher de algodão”. Ia sozinho ao banheiro. Cheguei até a horas lá dentro. Nenhuma mulher, nem mesmo a de algodão, quis fazer companhia a um bruto que machucava os pequenos.Embotaram-me os detalhes. Mas é certo que o rachado na testa do raquítico e pobre menino cicatrizou. E eu, aos poucos, deixei de ser uma alma penada e definitivamente desacreditei em assombração.Estas lembranças desenterraram-se há umas três semanas, quando folheando o Jornal “A Gazeta”, li a reportagem: “Jovens vêem fantasma no Pico de Liberdade, Marilândia.” A estória é mais ou menos como segue: “um grupo de sete jovens, quatro homens e três mulheres, que faziam acampamento no Pico da Liberdade, município de Marilândia, o mais alto da região, viram uma mulher de vestido vermelho e esvoaçante, flutuando, surgida do nada, perto de uma árvore. O aparecimento do espectro foi seguido de uma ventania súbita que fez cair folhas da árvore. O meu amigo Jef, o Suelinha, que é daquelas bandas, diria que fora a abstinência de gardenal que fez aquela galera ver coisas – diria isso com riso descarado ao final. Só que tem uma coisa: os “lemão” filmaram. É bem provável que estavam a filmar quando aconteceu o fenômeno. O rapaz que gravou o vídeo ficou uma semana sem dormir. O filme foi examinado por um professor de física, de sobrenome Falqueto, que não viu qualquer indício de fralde. Aqui tenho que dizer que o dito professor é também de Marilândia.Começo a rir quando imagino os “Lemão” descendo os três quilômetros do Cruzeiro da Pedra Alto Liberdade, de íngreme e tosca estrada que se enrosca montanha baixo. Posso até vê-los rasgando o mato no peito. Paro de rir quando imagino que algum poderia ter rachado a testa.Já acampei naquela montanha. Curtimos uma noite inteira naquela altitude, derredor ao cruzeiro, contando estrelas; ouvindo uns versos do Maiakovsk , recitados por um amigo; ouvindo violão e voz e tentando descobrir, no frescor da noite, quais eram as cidades que se viam, nos clarões, ao longe. Até o descortinar do sol, a única coisa anormal, era nos sentirmos tão bem.Conta-se que essa mulher fantasma, já fora vista, de vestido vermelho esvoaçante, por um agricultor, num cafezal, no entorno da montanha.Qual será o desta alma penada?Já ouvi por aí que almas ficam “penadas”, quando em vida cometeram erros torpes, foram cruéis e até pelo desconforto de uma grande injustiça sofrida, e assim, magoadas e desencarnadas, fazem pantominas para chamar atenção e ganhar rezas para alcançarem a luz e ter uma verdadeira passagem desta para melhor.Estou propenso a crer que fantasmas existem na medida que desaparecem os anjos. Não os anjos de asas, que nunca se vêem, mas os anjos de carne e osso, aos quais chamamos de amigos, que acreditam em nós quando todo mundo já desacreditou, que nos tocam, que estão do nosso lado e nos dão a mão, que choram por nós e não nos fazem sentir sozinhos.Bem, se a mulher do vestido vermelho esvoaçante de Marilândia foi injustiçada em vida, e não conseguiu perdoar, talvez se tivesse amigos ou escrevesse num blog, compartilharia a sua estória, e assim, um pouco aliviada, se libertaria do peso das correntes que a atam a este mundo e não mais atazanaria os “Lemão” vivos da nossa querida “town”.
Aaron Neville Ave Maria

Wednesday, September 13, 2006

Nota de setembro.


Dedicado à Lena Casas Novas

Não era eu o cara? O cara que sabia dar os pulos dos gatos, que aprendera deste há muito a estampar o sorriso certo com as minhas muitas caras e bocas? Era sim. Mas diante da presença dela e das evocações de ternura e do desejo de abraçá-la que me vinham, eu permanecera mudo, hermético, enclausurado numa miserável timidez. Houvera eu perdido ali a habilidade de buscar a expressão de boa medida, no universo mágico das tantas palavras.Assim não ficou nada dito naquela noite. A festa de São José do Operário poderia ter tido mais graça. Mas eu não disse a Dona Elza, a professora do primário, que me chamava de minha “largatixa” – eu demorei a aprender a dizer lagartixa – que lhe tinha uma generosa porção de saudade.

Praguejei as minhas efusividades estéreis: Deixar-me fotografar na bienal do livro, com a tal Bruna Surfistinha , dizer-lhe que lera com entusiasmo o seu “O doce veneno do escorpião”, era-me tão fácil como a me divertir e a irritar a bibliotecária que estava no nosso grupo, por achar tão ridículo uma mulher que tomara o marido de outra, fazer tanto sucesso com um livrinho mequetrefe. Ou quando pedi, na festa de aniversário do Shayan, que desligassem o som que eu iria dar um presente ao aniversariante, faria um violão e voz...

Mas se há agosto, há setembros. Não perdi não. Encontrei novamente a Dona Elza. Nos falamos tanto, não tanto como o terno abraço (ela tem cheiro de flor).

Que nos venham os setembros com sua primavera e seus eflúvios para o hemisfério sul. E que a gente possa ter, sempre, gente para gostar de ter saudade, para gostar de tomar uns chopes, umas bohemias. Ah, meus camaradinhas, sempre haverá setembro.

Barry White - Just The Way You Are

Wednesday, September 06, 2006

O Fabuloso Quito contra o monstro da vida ordinária.


Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo (Luis Fernando Veríssimo)



Dignei-me a narrar esse “causo”, não para atrair os holofotes da mídia fútil e hedonista ou para epigrafar meu nome na história – coisa das idiossincrasias ególatras – coisa do ranço da pequena burguesia. Mas puramente pela relevância científica e para que não se corrompam os fatos na embaçada lente da tradição oral e se retrate fantasiosamente o que realmente aconteceu. Eu posso fazer isso, eu vi, eu estava lá. Eu presenciei a verdade nua, crua, cuspida e escarrada.

Era, aquela quinta-feira, tão insossa como todos os outros dias dos últimos tempos. Havia sobrevindo um úmido calor de fazer deitar para as partes íntimas do corpo, os gotejos de suor. Era mormacenta a atmosfera na nossa pacata e belezura de cidade. Só para variar nada para se fazer. A não ser... Deixa p’ra lá, talvez uma partida de "Street fight" no bar da Lurdes. Isso havia passado na cabeça de Quito, mas uma partida de 'Street fight" neste calor não apetece nem ao mais dos adeptos. E depois, na última vez que havia jogado, não deu “carga” nem para o Théo Aranha. Para quem não sabe, o Théo é "marreco", como se diz na gíria. E isso quer dizer que o sujeito carece de habilidade para o jogo (o sujeito é horrível, mesmo!). É..., nada de interessante para se fazer! Pelo jeito é deixar hoje para amanhã. E assim foi... com seu vagar.

A noite caíra e com ela um bruto temporal mostrava a cara com relâmpagos que riscavam o céu em todo quadrante oeste, de onde desce o Rio Doce, lá pelas bandas das Minas Gerais, estado de uma garota chamada Juliana (que já lhe fizera tempestades de emoções, numa tórrida temporada de férias de verão, no balneário de Guriri). ... Aquela noite fora a que mais chovera desde que me entendo por gente. Até os sapos, se alcançassem a crença dos homens, rezariam p’ra chuva dar um tempo!

O dia amanhecera em feições de luz perfeita. Chegava a ter que se franzir testa para fixar uma olhada. Dia com compasso de pescaria. Há tempos, num desses ociosos papos de bar, ele havia combinado uma pescaria com uns camaradas. Mas eram tratantes, tipos que só balangavam beiços. Agora já decidira: Iria sozinho. Seria na Lagoa do Zé Branco, que fica bem perto do bairro Maria das Graças. O Tairone, um sujeito que dava uns contornos extravagantes à vida com uma imaginação fantasiosa, dissera demais de vezes que naquela lagoa vivia uma monstruosa criatura, como aquela das gélidas águas do Lago Ness, na distante Escócia. Mas quem poderia dar crédito aos ditos do Tairone? Ademais, da Escócia lhe apetecia lembrar do eletrizante Sean Connery, em Indiana Jones, do Ewan MacGregor em “Por uma vida menos ordinária” – um filme deliciosamente poético e carregado de crítica às relações humanas. Ah, ele não poderia deixar fora das lembranças evocados por aquele país onde tem macho que usa saia, de Ivanhoé, a estupenda obra de Sir Walter Scott. Contrariamente ao que se poderia pensar de uma criatura que perdia tempo com games , ele apreciava sobremodo uma literatura, não da literatura de gosto duvidoso que é para indivíduos de sentidos obliterados pela mídia ruidosa e fácil. Pois Ivanhoé, uma obra que não narra ações estúpidas e gratuitas, fizera-lhe viajar pelas florestas da Inglaterra medieval do Rei Alberon, a sentir imaginariamente o perfume dos carvalhos. Lembrou-se também de que na Escócia faziam uns uísques... Mas basta de divagações, assim de cara limpa não dava para lembrar sem constrangimentos dos stripteases que os scotts lhe inpiravam. Bastava de divagações. À merda a maravilhosa Escócia, à merda o Tairone. Já começava a ficar nervoso, tinha que pescar.

Os juncos em torno da lagoa reverberava ao sol um gracioso verde que parecia ter uma vida própria. Havia um silêncio de voz humana até onde a melhor audição de gente de carne e osso pudesse ouvir. Sentado numa pedra à margem da lagoa, com uma vara na mão, pescava com o silêncio. Quito conseguia ouvir as batidas do seu grande e suscetível coração. Ultimamente ele estava assim: "sensível e manso". Esse jeito manso lhe acometera desde o dia em que, em companhia do Frangão, numa dessas viagens de entregas de uns "produtos" que não sei bem dizer, possivelmente pó de café – para as cidades do interior, e fazia uma insistente chuva miúda a mistura a um sol empalidecido, de forma que um arco-íris estampou-se bem para cá do horizonte, logo ali à frente, na rodovia, formando uma semicircunferência. Eles passaram com o carro sob aquela profusão de cores. O Frangão até relutou um pouco em transpor, mas o Quito não teve um pingo de paciência para esperar dissipar o multicolorido fenômeno atmosférico (quem conhece o Quito entende bem o que digo, ele achava aquilo uma inútil e inócua superstição – coisa de bestão). Foi dali em diante que começou a sentir um frisson por dentro e adquirira um certo sexto sentido. Sexto sentido que antes achava ser coisa de moçoilas e da turma da “parada”. E a despeito da total paz daquele lacustre mundo que o circundava, sentia que algo diferente estava por acontecer ali. Já não tinha dúvida disso. As pupilas, em seus castanhos olhos, dilataram-se.

Para se acalmar tentou recordar-se da última vez que havia pescado. Lembrava claramente: fisgou um morobá de oito quilos e um pequeno caborreleque, do qual até então não se tinha registro da espécie nos compêndios da biologia e tampouco fazia parte das estórias de pescadores. A sua avó (que Deus a tenha!), havia falado que os raros e famigerados caborreleques, depois que aprendiam a escalar as pedras da beira das águas, cresciam muito e até chegavam a gigantes, causando transtornos, pois devoravam todo roçado de milho, feijão ou o jiló marginal. Aliás, jiló parecia o preferido deles, não sobrava nem os talos. Tolices da avó eram perfeitamente perdoáveis. Mesmo com conversas pra boi dormir sobre peixe que anda e come jilós, a velha era para ele um doce.

Mas bom mesmo era pensar nas mulheres que havia amado. Era a única coisa que o agradava e não exigia esforço mnemônico, ainda mais pitando um cigarrinho. É claro que devo dizer que estamos falando daquelas dos últimos dois anos. Porque lembranças do Ritão, além de exigir da memória, seria um exercício penoso e de gosto duvidoso. Mas ele pensou na bendita. (Caro leitor, você deveria conhecer o Quito para melhor compreender). (...)

Enquanto pensava nessas coisas, abruptamente o débil silêncio fora quebrado por intrigantes espocares de borbulhas na lagoa. As borbulhas faziam um rastro na superfície da água para a direção onde o nosso fabuloso e estimado amigo pescava. Para sua surpresa e horror, uma grande e sinistra criatura de aspecto aquático, de pele acinzentada e com barbatanas, irrompeu das águas soltando finos grunhidos, vindo em direção à mochila, onde estava guardado o lanche que levara, que consistia em um hambúrguer, leite e um litro de campári (o Quito sempre teve o estranho hábito de tomar leite misturado ao campári). “Vixe, mangalô três vezes!” – Grita o nosso herói, num misto de estupefação e horror – Sai pra lá "demonho" – continua ele no desespero. O peixe-monstro, sem se importar com a reação do atordoado humano ou a qualquer outra coisa, retira da bolsa sem qualquer obstáculo, o litro de campári, provocando uma súbita e impetuosa mudança do terror para raiva e brabeza. Uma cólera de deixar até o branco do seus olhos avermelhados, como eram os ancestrais pré-históricos dos homens, como atestam os evolucionistas. – Filho duma Elza! Se você quiser comer o hambúrguer que seja, vai fundo, mas o campári não! "Ce" acha que ‘tá podendo?– Esbravejou. Notando que a criatura lhe ignorava, não “dava idéia", nem um biquinho fez ao menos, Quito entra de soco, mas antes que uma direita entrasse no ventre do animal, para atingir ao menos um rim, se é que aquela unidade biológica tivesse algum, um golpe de agilidade supersônica atinge-lhe o pescoço, bem perto da orelha, é o que comumente chamamos de “moca”. Estatelado no chão lamacento, mas com um pouco de dignidade, ele se levanta atônito e ainda tenta uma reação, no entanto, antes de erguer os punhos cerrados, toma uma baita bifa. “Se eu pudesse pegar um poder” – pensa ele em meio ao desespero e à lama – Mas aquilo era pura e dura realidade e não uma partida de “streat figth”. Nisso o bicho da água bebia em grandes goles o campári, como quem tem sede de muito. Depois de algumas tragadas a "coisa" deixou escapulir das rudes mãos palmípedes o objeto da contenda. Foi aí que Quito, numa agilidade sobre-humana pegou o litro e com o mesmo atingiu um golpe na altura do provável rim do parrudo oponente, que tombou feito madeira verde – Você perdeu, playboy! Você perdeu! Foram as suas palavras de vitória.

Enquanto olhava para aquele capeta ofegante, ali no chão, passa correndo numa trilha, a poucos metros, um sujeito baixinho de nariz saliente, usando um chapéu australiano camuflado militar – Ei, Fonsinho, venha cá ver que desgraça é essa! – Grita o Quito - Baco, paco, baco, Quito, seu burro "véio", que peixe gigante e esquisito que você pegou! Acho que só o sargento Gérson pegaria um igual! Porque o Sargento Gérson uma vez..., outra vez... Isso é um celacanto, Quito, um peixe que julgavam ter sido extinto e que a espécie tem trezentos e sessenta milhões de anos. Eu sei porque passou no “Jornal Nacional” dia desses. Qualquer dúvida pode perguntar ao sargento Gérson. Agora você pode ser chamado também de o pescador da "moda". Mas já vou, pois estou em treinamento militar e quero ser mais forte que mil quatis, como é o sargento Gérson, você vai ver só! Enquanto Fonsin sai em seu desiderato, Quito vira-se para olhar a criatura e vê somente o rastro de retorno às águas e borbulhas ao longe nas águas da lagoa. “Vou embora já e só volto aqui algum dia, se trouxer o arpão irado do pai do Rodrigo Porção. Vai que eu encontre novamente esse caborreleque gigante e tenha que acabar com a raça dele” – pensou ele com a casa dos seus botões, pois os botões mesmo haviam se perdido na batalha.

Chegando em casa, depois de um bom banho com o seu preferido sabonete de Erva-Doce Espumante (um gosto manifesto após o arco-íris) não quis ver o que talvez fosse o milésimo filme que havia locado neste ano de nosso Senhor Jesus Cristo, pois certame veria cenas em que alguém teria uma arma à mão. Preferiu ir à casa do Rosebol comer um angu incrementado, como o que é servido no Beliska, acompanhado da turma do bloco Kbeça Ativa. Mas para sua surpresa o prato do dia era moqueca capixaba. Pôxa vida – disse ele aos suspiros – há dias em que é difícil viver!

Foi para casa, e no seu quarto acendeu um incenso de carvalho, e rendendo-se à sétima arte, resolveu rever “Por uma vida menos ordinária”.





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Tuesday, September 05, 2006

O mundo Fantástico do Kaska.

A verdade é a melhor camuflagem. Ninguém acredita nela. (Max Frisch)
Era o final do mês de maio. Naqueles dias, confesso, estava extenuado. A semana toda tendo que ver a cara deslavada do Paulão Morcegão, ou Borboleta, como alguns o chamam ou queiram. Sem falar na insalubridade que é tolerar o Levi e o seu derrame verbal, fazendo tentativas para dar valor e forma a idéias que só ficam bem na imaginação de quem acredita em gnomos, saci-pererês, mulas-sem-cabeça e que um time carioca vá ganhar o brasileirão deste ano.Para quem se submete a dias de cão, uma sexta-feira e à tarde é prenúncio de absolvição. E o sábado é dia de, inevitavelmente, ir para o "Fight".Saindo da casa lotérica, ao cumprir a única obrigação das manhãs de sábado: Uma fezinha na mega acumulada, o celular tocou. Minha nossa, é o Tim Capota, conhecido de antigos carnavais – Godão, vamos pro Kaska – Kaska ? “ respondo eu” – É Godão, aquele lugarzinho onde as pessoas se alegram, mesmo que não seja verão. Godão, já mandei fazer uma ave galinácea no grau, ‘tá alinhadinha! Fala aqui com Simonassi – Alô Godão! – Fala cabelo-de- Lobo! – Vamos pro Kaska, o Dudu Leão e o Mestre também irão, vê se não bate fofo – Pô cabelo-de-lobo, quando foi que bati fofo?Resolvi levar o Diligero comigo, o bacana estava gracioso e cheio de energia e já se parecia com o dono: jeitão brabo de ser, nos seus três meses de vida. Ia babando o vidro do carro e latia quando via uma fêmea interessante. O Diligero é o meu Pit Bull Terrier. Ganhei o bicho do meu amigo Maurício Manieri, quando passou por Colatina para fazer um show em Barra de São Francisco. O Manieri dizia que o Pit bull era a minha cara e resolveu trazer o filhote de São Paulo para me agradar. Aceitei o presente de bom grado, afinal o Bizonga têm um Poodle, O Kito Barbieri tem um Chiuaua, o Kiko Casoti um cachorro que morde ele, o Delmo Guidoni tem um porquinho-da-índia e o Gilberto Gil tem um ursinho de pelúcia. Então posso ter um Pit bull.Ria feito só a ele mesmo, o Dudu Leão, só porque descobriu que o Mestre tem medo de minhocas e que nunca vai a pesque-pague para pescar, só para ver garotas. O Dudu Leão é sempre assim, muito alto-astral e cara de pau e sonhou em ter a Marciele, a Marcilene, a Marilene em seus braços na noite da Jufest do CEFETES.O mestre há muito não o via. Não havia mudado nada. Apesar dos oitenta anos, mantinha um corpinho de cinqüentão. Dizem que o seu segredo de longevidade estava no uso da geléia real. Um alimento natural que as abelhas jovens secretam para alimentar a rainha, e que é um notável regenerador das funções vitais.O valor que eu dava ao mestre estava no seu destemor (com exceção às minhocas). Lembro-me bem do dia em que um desgarrado enxame de abelhas africanas fez os moradores de Maria das Graças ficarem apavorados, inclusive a cadela da minha vizinha não resistiu às picadas letais. O mestre fora convocado para dar cabo àquele pandemônio. Precisam ver aquele ser longevo, embrenhado na copa de um Fícus, completamente tomado pelo abelhal. Eu dizia – Mestrinho, cuidado com o ferrão. – Ele respondia: – Ferrão que é bom Gordão! Ferrão que é bom Gordão! – E eu retrucava solenemente – ‘Tô’ fora mestre!!Ele capturou a rainha, salvou a população do mal e foi aplaudidíssimo, inclusive pelo corpo de bombeiros que assistira a tudo bestializado.Pois ele estava lá no Kaska, e entre nós, de cabelinho espetado, e aquele riso que lhe conferia um ar de indecente. Estendeu-me a mão com leveza, cabendo a mim apertá-la, num gesto que nada lembra um herói. A última imagem que tinha dele, foi a de uma fotografia digitalizada, que o "Rei Val Bonna" mandou-me pela Internet: Sem camisa, com “pneuzinhos” salientes na cintura e um olhar perdido num copo que levava a crer que fosse cerveja, lá no apartamento de Itapuã. Pois é Gordão – Falou o mestre – Cadê o Gripa e o Dag ? - Ah, Mestre – respondi – Estão estudando na capital. – E o Suela? – continuou ele. Respondi: O Suela está em Viçosa para ser Doutor, e continua com aquela vida de promiscuidade que lhe é peculiar. – Pois é Gordão, temos que por em prática aquele meu plano de trancarmos o Dag e o Gripa numa casa, com umas garotas da pesada, que gostam de explorar todas as possibilidades do prazer físico – Stop, mestre! – interrompi-o – Não quero por a vida de ninguém em risco de morte!!!O nosso diálogo foi interrompido pelo Kaska. – Olha, tenho uma bebida aqui no meu “Não-pesque-pague” que é sucesso de crítica e de público, já recebi turista até de Brasília para experimentar. É feita da raiz de uma planta chamada salutra. Planta que só há naquela mata, além daquele cafezal conillon. – Lá onde a gente vê umas imbaúbas? – atalhou o cabelo-de-lobo Simonassi. – É sim, conferiu o Kaska. Continuando a prosa, o Kaska disse que a planta tinha o poder de abrasar o homem. Não entendi o que ele queria dizer, mas notei que despertou o interesse do Mestre. E continuou a enumerar as propriedades terapêuticas da planta, mas nem escutei mais, pois minha atenção fora subtraída por algo que brilhava longínquo, num céu completamente azul, que me pareceu uma pipa de alguma criança.– Olha aqui Godão – Falou o Dudu Leão – tirando-me das abstrações. – Você quertomar a salutra? – Uma dose só Dudu – Disse eu – “Se você vai beber, acho que também estou afim!”. Nisto o mestre interrompe dizendo para o Kaska lhe reservar uma garrafa. Afinal aquilo era um abrasador!A salutra nos foi servida em uma cuia feita do coco e tinha um aspecto de musgo batido em liquidificador. O Kaska disse que era servido numa cuia, para dar um ar assim tosco e natural, harmonizando assim com o ambiente local. Imaginei: Esse Kaska só pode gostar de um machinho! Isso é coisa de gente fresca. Numa coisa o kaska tinha razão de dizer: o ambiente era realmente tosco. Uma tosqueira só.No segundo gole senti um amargor que as minhas papilas jamais tinham sentido. Nem boldo, nem carqueja, tampouco losna amargam igual. Notei que algo estava errado quando Cabelo-de-Lobo esbugalhava os olhos e soltava uma espécie de uivo que até assustou o Diligero que se divertia querendo pegar as galinhas que ciscavam ao largo do gramado. A estranheza continuou quando ele me inquiriu:– Godão, se eu pegar uma "basôra" você barre o “guspe” do Kapota?– Craro, só se for pra ônti! ‘Ce sábi que meu nômi é trabaio!– Falô, seo trabaio, te conheço desde quando no lugar onde foi construída a FASCEX* tinha um zoológico. O CREB, lembra?– Pois é né !? As coisas não mudam tanto assim!Sempre gostei de um rico vocabulário. Mas notei que aquela bebida tinha nos reportado à cultura de nossos ancestrais, que vieram dos confins para este sul de mundo, devorar, poluir e barbarizar. Conversa semelhante só tinha ouvido do Lemãozinho Daniel, que inclusive ficou chateadíssimo certo dia, porque joguei um dicionário no peito dele. Mas tinha que fazer isso, já não tinha mais paciência de ouvir frases tipo uma em que ele falava que o tio dele era "histérico"– não podia ter filhos. Aí, eu é que fiquei histérico e atirei um Aurélio de cinco quilos p’ra cima dele. Mas o papo do Cabelo-de-Lobo era apenas curtição "nonsense".O astral foi ficando "grease". Dei uma “esticada” no banheiro. Pelo espelho enxerguei meus olhos em brasas. Estavam abrasados. Aí entendi o que o Kaska queria dizer com abrasar. Não adiantava tapar o sol com a peneira, era hora de dar tchau!– Bem gente – fui avisando – tenho que ir, já me abrasei o bastante!– Nós vamos também, Godão – falou o Kapota.Estranhíssimo que num piscar de olhos todos sumiram. Pensei que estava sob um surto psicótico. Entrei no possante "Corcel das vastas emoções", tendo o zelo de bem acomodar o Diligero. Se tudo corresse bem, em dez minutos estaria no Córrego do Ouro. Mas num aclive da estrada de chão batido, o veículo foi abruptamente suspenso por uma força avassaladora. Num esforço de visão vi o que parecia ser uma grande nave, como aquela do filme Arquivo X. O que me deixou passado foi ver um anúncio bem luminoso na concavidade inferior do OVNI que dizia: " CEFET - ES, a sua escolha para o futuro."Fiquei bestializado, pela razão de conhecer esta Escola de cursos técnicos, e realmente achar muito boa...À medida que ia sendo drenado para dentro da nave, ia perdendo a consciência...Recuperei a consciência, sentindo uma mão fria na região pubiana e com o carro fazendo um giro de trezentos e sessenta graus na pista arenosa. Com muita dificuldade consegui controlar a giratória, direcionando o carro para uma moita de capim colonião. Olhei para o lado e notei que meu cachorro Diligero havia desaparecido e no seu lugar estava o Lemão Luxinger, sem voz, sem cor e também sem vergonha na cara!Soube, mais tarde, que Kapota, Cabelo-de-Lobo Simonassi, Mestre e Dudu Leão foram raptados por uma força igualmente sobrenatural, e como se num fenômeno relativístico de teletransporte, num paralelo entre matéria e energia, espaço-tempo, foram deixados no Bar Eucaliptos, na BR que liga Colatina a Baixo Guandu.Não relatamos esses fatos até agora porque as pessoas têm uma tendência natural em descrer na verdade. Certamente seríamos motivos de troças de toda comunidade.Por alguns dias posteriores, cheguei a cogitar que a salutra tivesse motivado um desarranjo mental coletivo, causando esses fatos somente na nossa imaginação. Mas, e o Diligero? E porque aquele Lemãozinho estava no meu carro? Pois os extraterrestres transformaram o meu estimado Diligero no Luxinger, causando-me prejuízo. Diligero não fumava, não bebia alcoólicos e não tinha a língua "plesa ".

Friday, September 01, 2006

O fantástico mundo do Kaska.

A verdade é a melhor camuflagem. Ninguém acredita nela. (Max Frisch)

Era o final do mês de maio. Naqueles dias, confesso, estava extenuado. A semana toda tendo que ver a cara deslavada do Paulão Morcegão, ou Borboleta, como alguns o chamam ou queiram. Sem falar na insalubridade que é tolerar o Levi e o seu derrame verbal, fazendo tentativas para dar valor e forma a idéias que só ficam bem na imaginação de quem acredita em gnomos, saci-pererês, mulas-sem-cabeça e que um time carioca vá ganhar o brasileirão deste ano.
Para quem se submete a dias de cão, uma sexta-feira e à tarde é prenúncio de absolvição. E o sábado é dia de, inevitavelmente, ir para o "Fight".
Saindo da casa lotérica, ao cumprir a única obrigação das manhãs de sábado: Uma fezinha na mega acumulada, o celular tocou. Minha nossa, é o Tim Capota, conhecido de antigos carnavais – Godão, vamos pro Kaska – Kaska ? “ respondo eu” – É Godão, aquele lugarzinho onde as pessoas se alegram, mesmo que não seja verão. Godão, já mandei fazer uma ave galinácea no grau, ‘tá alinhadinha! Fala aqui com Simonassi – Alô Godão! – Fala cabelo-de- Lobo! – Vamos pro Kaska, o Dudu Leão e o Mestre também irão, vê se não bate fofo – Pô cabelo-de-lobo, quando foi que bati fofo?
Resolvi levar o Diligero comigo, o bacana estava gracioso e cheio de energia e já se parecia com o dono: jeitão brabo de ser, nos seus três meses de vida. Ia babando o vidro do carro e latia quando via uma fêmea interessante. O Diligero é o meu Pit Bull Terrier. Ganhei o bicho do meu amigo Maurício Manieri, quando passou por Colatina para fazer um show em Barra de São Francisco. O Manieri dizia que o Pit bull era a minha cara e resolveu trazer o filhote de São Paulo para me agradar. Aceitei o presente de bom grado, afinal o Bizonga têm um Poodle, O Kito Barbieri tem um Chiuaua, o Kiko Casoti um cachorro que morde ele, o Delmo Guidoni tem um porquinho-da-índia e o Gilberto Gil tem um ursinho de pelúcia. Então posso ter um Pit bull.
Ria feito só a ele mesmo, o Dudu Leão, só porque descobriu que o Mestre tem medo de minhocas e que nunca vai a pesque-pague para pescar, só para ver garotas. O Dudu Leão é sempre assim, muito alto-astral e cara de pau e sonhou em ter a Marciele, a Marcilene, a Marilene em seus braços na noite da Jufest do CEFETES.
O mestre há muito não o via. Não havia mudado nada. Apesar dos oitenta anos, mantinha um corpinho de cinqüentão. Dizem que o seu segredo de longevidade estava no uso da geléia real. Um alimento natural que as abelhas jovens secretam para alimentar a rainha, e que é um notável regenerador das funções vitais.
O valor que eu dava ao mestre estava no seu destemor (com exceção às minhocas). Lembro-me bem do dia em que um desgarrado enxame de abelhas africanas fez os moradores de Maria das Graças ficarem apavorados, inclusive a cadela da minha vizinha não resistiu às picadas letais. O mestre fora convocado para dar cabo àquele pandemônio. Precisam ver aquele ser longevo, embrenhado na copa de um Fícus, completamente tomado pelo abelhal. Eu dizia – Mestrinho, cuidado com o ferrão. – Ele respondia: – Ferrão que é bom Gordão! Ferrão que é bom Gordão! – E eu retrucava solenemente – ‘Tô’ fora mestre!!
Ele capturou a rainha, salvou a população do mal e foi aplaudidíssimo, inclusive pelo corpo de bombeiros que assistira a tudo bestializado.
Pois ele estava lá no Kaska, e entre nós, de cabelinho espetado, e aquele riso que lhe conferia um ar de indecente. Estendeu-me a mão com leveza, cabendo a mim apertá-la, num gesto que nada lembra um herói. A última imagem que tinha dele, foi a de uma fotografia digitalizada, que o "Rei Val Bonna" mandou-me pela Internet: Sem camisa, com “pneuzinhos” salientes na cintura e um olhar perdido num copo que levava a crer que fosse cerveja, lá no apartamento de Itapuã. Pois é Gordão – Falou o mestre – Cadê o Gripa e o Dag ? - Ah, Mestre – respondi – Estão estudando na capital. – E o Suela? – continuou ele. Respondi: O Suela está em Viçosa para ser Doutor, e continua com aquela vida de promiscuidade que lhe é peculiar. – Pois é Gordão, temos que por em prática aquele meu plano de trancarmos o Dag e o Gripa numa casa, com umas garotas da pesada, que gostam de explorar todas as possibilidades do prazer físico – Stop, mestre! – interrompi-o – Não quero por a vida de ninguém em risco de morte!!!
O nosso diálogo foi interrompido pelo Kaska. – Olha, tenho uma bebida aqui no meu “Não-pesque-pague” que é sucesso de crítica e de público, já recebi turista até de Brasília para experimentar. É feita da raiz de uma planta chamada salutra. Planta que só há naquela mata, além daquele cafezal conillon. – Lá onde a gente vê umas imbaúbas? – atalhou o cabelo-de-lobo Simonassi. – É sim, conferiu o Kaska. Continuando a prosa, o Kaska disse que a planta tinha o poder de abrasar o homem. Não entendi o que ele queria dizer, mas notei que despertou o interesse do Mestre. E continuou a enumerar as propriedades terapêuticas da planta, mas nem escutei mais, pois minha atenção fora subtraída por algo que brilhava longínquo, num céu completamente azul, que me pareceu uma pipa de alguma criança.
– Olha aqui Godão – Falou o Dudu Leão – tirando-me das abstrações. – Você quertomar a salutra? – Uma dose só Dudu – Disse eu – “Se você vai beber, acho que também estou afim!”. Nisto o mestre interrompe dizendo para o Kaska lhe reservar uma garrafa. Afinal aquilo era um abrasador!
A salutra nos foi servida em uma cuia feita do coco e tinha um aspecto de musgo batido em liquidificador. O Kaska disse que era servido numa cuia, para dar um ar assim tosco e natural, harmonizando assim com o ambiente local. Imaginei: Esse Kaska só pode gostar de um machinho! Isso é coisa de gente fresca. Numa coisa o kaska tinha razão de dizer: o ambiente era realmente tosco. Uma tosqueira só.
No segundo gole senti um amargor que as minhas papilas jamais tinham sentido. Nem boldo, nem carqueja, tampouco losna amargam igual. Notei que algo estava errado quando Cabelo-de-Lobo esbugalhava os olhos e soltava uma espécie de uivo que até assustou o Diligero que se divertia querendo pegar as galinhas que ciscavam ao largo do gramado. A estranheza continuou quando ele me inquiriu:– Godão, se eu pegar uma "basôra" você barre o “guspe” do Kapota?– Craro, só se for pra ônti! ‘Ce sábi que meu nômi é trabaio!– Falô, seo trabaio, te conheço desde quando no lugar onde foi construída a FASCEX* tinha um zoológico. O CREB, lembra?– Pois é né !? As coisas não mudam tanto assim!
Sempre gostei de um rico vocabulário. Mas notei que aquela bebida tinha nos reportado à cultura de nossos ancestrais, que vieram dos confins para este sul de mundo, devorar, poluir e barbarizar. Conversa semelhante só tinha ouvido do Lemãozinho Daniel, que inclusive ficou chateadíssimo certo dia, porque joguei um dicionário no peito dele. Mas tinha que fazer isso, já não tinha mais paciência de ouvir frases tipo uma em que ele falava que o tio dele era "histérico"– não podia ter filhos. Aí, eu é que fiquei histérico e atirei um Aurélio de cinco quilos p’ra cima dele. Mas o papo do Cabelo-de-Lobo era apenas curtição "nonsense".
O astral foi ficando "grease". Dei uma “esticada” no banheiro. Pelo espelho enxerguei meus olhos em brasas. Estavam abrasados. Aí entendi o que o Kaska queria dizer com abrasar. Não adiantava tapar o sol com a peneira, era hora de dar tchau!– Bem gente – fui avisando – tenho que ir, já me abrasei o bastante!– Nós vamos também, Godão – falou o Kapota.
Estranhíssimo que num piscar de olhos todos sumiram. Pensei que estava sob um surto psicótico. Entrei no possante "Corcel das vastas emoções", tendo o zelo de bem acomodar o Diligero. Se tudo corresse bem, em dez minutos estaria no Córrego do Ouro. Mas num aclive da estrada de chão batido, o veículo foi abruptamente suspenso por uma força avassaladora. Num esforço de visão vi o que parecia ser uma grande nave, como aquela do filme Arquivo X. O que me deixou passado foi ver um anúncio bem luminoso na concavidade inferior do OVNI que dizia: " CEFET - ES, a sua escolha para o futuro."Fiquei bestializado, pela razão de conhecer esta Escola de cursos técnicos, e realmente achar muito boa...
À medida que ia sendo drenado para dentro da nave, ia perdendo a consciência...
Recuperei a consciência, sentindo uma mão fria na região pubiana e com o carro fazendo um giro de trezentos e sessenta graus na pista arenosa. Com muita dificuldade consegui controlar a giratória, direcionando o carro para uma moita de capim colonião. Olhei para o lado e notei que meu cachorro Diligero havia desaparecido e no seu lugar estava o Lemão Luxinger, sem voz, sem cor e também sem vergonha na cara!
Soube, mais tarde, que Kapota, Cabelo-de-Lobo Simonassi, Mestre e Dudu Leão foram raptados por uma força igualmente sobrenatural, e como se num fenômeno relativístico de teletransporte, num paralelo entre matéria e energia, espaço-tempo, foram deixados no Bar Eucaliptos, na BR que liga Colatina a Baixo Guandu.
Não relatamos esses fatos até agora porque as pessoas têm uma tendência natural em descrer na verdade. Certamente seríamos motivos de troças de toda comunidade.
Por alguns dias posteriores, cheguei a cogitar que a salutra tivesse motivado um desarranjo mental coletivo, causando esses fatos somente na nossa imaginação. Mas, e o Diligero? E porque aquele Lemãozinho estava no meu carro? Pois os extraterrestres transformaram o meu estimado Diligero no Luxinger, causando-me prejuízo. Diligero não fumava, não bebia alcoólicos e não tinha a língua "plesa ".
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