Colatinense no reino das palavras.

As histórias, crônicas, contos, causos. Exercícios de eloquência.

Saturday, December 15, 2007

Domingo chuvoso numa cidade boleira



“Tatu não vê a lua...” ( João Guimarães Rosa, no texto “ A menina de lá”)



O Rio de Janeiro continua lindo. E hoje, um domingo nublado, está mais incontestavelmente bonito do que nunca. Vai ter mais um jogo no Maracanã. Ôpa, melhor, não será mais um jogo no Maracanã: É Flamengo e Vasco. As duas maiores torcidas – clubes de multidões Brasil afora. Um nascido elitista e que caiu nas graças da massa, o outro nascido no povo e continua o pendão de milhões. Rio não há igual: É o único lugar onde a Copa não acabou. Estes dois grandes rivais retornam, na quarta-feira, ao grande templo do futebol, para a primeira batalha da decisão da Copa do Brasil (para muitos dessas torcidas, o título para seu clube é mais importante que um hexa da seleção brasileira, que agora é a seleção de Cafu, Roberto Carlos e Parreira).

Mas há uma outra cidade, a umas 415 milhas daquele Corcovado com seu Cristo Redentor – não tão distante, se considerarmos a dimensão continental do Brasil – uma cidade que também ostenta o seu monumento de Cristo de braços abertos sobre um rio, um rio mansamente a deslizar as suas águas vindas das Minas Gerais. A graça da cidade? Colatina. Com o seu rio chamado Doce, que a soma em duas partes.
E daí? Não, não tem essa de e daí! O caso é que renasce nesta cidade de gente boa, um clube de futebol, que nas priscas eras de chumbo – diziam os mais velhos – tratava com esmero o “balão de couro”. A turma mais atenta que freqüenta o Gatão, e que bebe pra não perder o juízo, já deve ter visto um quadro em branco e preto com a foto de um time de futebol de camisas listradas verticalmente, um tanto Botafogo, ou Atlético Mineiro, como queiram – pois este é o Clube Atlético Colatinense. E que hoje já não veste “shorts” tão apertadinhos como na foto.

O almoço fica pra mais tarde. O jogo está marcado para as dez e meia. É segunda divisão do campeonato capixaba, a torcida não se pode dar ao luxo de horário para comer. Convidei o meu irmão mais moço e a minha cunhada para irmos, eles são fanáticos por futebol, mas a Lívia tinha chegado há dois meses – um bebê muito tenro para freqüentar o municipal “Justiniano de Mello e Silva”, ainda mais que o Coutinho dizia na Difusora que uma nuvem passageira semeava uma chuva miúda pelo estádio, mas eles ficaram “piabando” de vontade. Lembrei-me do Lemão Luxinger, mas qual, este com seus modos questionáveis poderá me avexar. Recordo da última vez, em companhia dele, na torcida pelo CTE Colatina, do Edmílson Ratinho. Ele consumiu uma sacolinha inteira de amendoins torrados, arremessando na folga da bermuda dos torcedores sentados próximos – queria depositar o amendoim no cofrinho – dizia com jeito de moleque. Era um divertimento, mas nem todo mundo quer saber de brincar essa brincadeira do “cofrinho”. Mas quem tem irmão não atravessa ponte sozinho. Fui com o meu irmão mais velho, que não é tanto fã assim de futebol, mas é pau pra toda obra. Dois “legítimos” colatinenses, nascidos em Rio Bananal, a caminho, para se juntar a centenas, na torcida pelo time da cidade.

Ao colocar a vista no gramado, os times já estavam lá. Grená, era o uniforme do nosso adversário, o Sul América de Conceição da Barra. Bastou a pelota rolar para tomar gosto pelo jogo. O nosso time sabia jogar, fazia girar a bola e os alas subiam e tinham fôlego como o Cicinho e o Gilberto, para voltar e não tomar bola nas costas. Logo veio o primeiro, que na verdade foi meio sem querer, num cruzamento mais que bem sucedido. Lá estava a branquinha no barbante. Foi o que teve o primeiro tempo.

No tempo derradeiro estava por vir mais três. Seria certamente mais, se na regra do árbitro constasse pênaltis. No lance mais escancarado de penal, o Índio, com seus trinta e oito anos, recebeu um lançamento e se estampou pedalando cara-a-cara com o goleiro. Tomou um rapa do camisa número um, que levou até o meu irmão, que é um cara muito educado, a dizer cobras e lagartos do juiz.

Estava tão bom que a galera gritava olé, olé! Quando uma furtiva chuva, fina e oblíqua, começou a castigar a cara de toda gente no estádio, e já não se via aquela vistosa e remota montanha que fica no sentido da Vila Lenira, totalmente tomada de névoa – eis que percebo que as crianças cresceram – o rapaz, que entrara para o segundo tempo, era o filho do Fusquinha – ontem era um menino, e estava lá jogando fácil, fazendo magistralmente o terceiro gol e nos dando a expectativa de futuro craque. Agora já podia chover à vontade, tinha me vacinado mesmo contra a gripe.

É ótimo um domingo numa cidade boleira, mesmo que os nossos times não tenham Zidanes e Materazzis, não tenham um apelo de Vasco e Flamengo. Aqui a gente se encontra com a nossa gente e se abraça e se sorri e se sabe que logo o time estará na primeira divisão e que haverá um tempo em que o Colatinense também será um campeão de audiência. Não duvidem do que é capaz um time que ressuscita.

Alô, alô torcida do Clube Atlético Colatinense, aquele abraço!

Música: Cidade Negra- Onde você mora?
Texto publicado originalmente em Crônicas do Joel

Saturday, October 27, 2007

Afeições Cênicas


Se lembra, depois daquele dia?
A gente deixou de fazer pantomima.
E não era teatro, era vida.

A gora a gente verbaliza, é palavras
E nem precisa.
É bom continuar essa história,
Que é real e de mito.
Perfomance e perfume,
A gente fica sabendo,
Pois o figurino alegria assume.

É preciso sonhar de olhos abertos
Na selva de pedra,
Que é o cenário.
Não só pela arte
Mas sobretudo pela vida.

Música: Chico Buarque e Maria Bethânia Ao Vivo: Ouça Olê, Olá

Saturday, October 06, 2007

O tesouro de janeiro


O dinheiro é o melhor escravo - o mais dócil e versátil, mas o pior senhor - o mais despótico e cruel. (sabedoria popular)

Já se passaram tantos janeiros, mas não me acontece de esquecer do Nando. Ele lá no térreo de sua casa ouvindo suas canções prediletas, e repetidas vezes a Legião Urbana. Nando amava mesmo aquelas canções, às vezes dava até a impressão que o sol batia mesmo na janela do seu quarto.

O que poderia me aborrecer a respeito daquele rapaz de bela irmã de olhos azuis seria a insistente imitação de eu estar ébrio (estive sim, ébrio de aguardente). Mas como me divertia aquilo! Desejava que repetisse a imitação. Ele fazia com que aquilo que a mim parecia o ridículo dos ridículos parecesse uma pueril e elegante diversão.

Ah, o Nando, sempre como canção. Fingia distração e ao passar dava um tranco de ombro e se apressava para cuidar que a gente não caísse.

Teve isso: quando saiu o resultado do vestibular e diante de meu sucesso, aquela criança me parecia tão feliz por mim (parabéns, parabéns e inventiva e doce irreverência: se curvava executando um saudação japonesa).

Já se passaram tantos janeiros. O Nando tornou-se um milionário. Dizem, mas não quero acreditar que o Nando agora é petulante e arrogante. E pior: deu no jornal de hoje que ele está sendo investigado por sonegação, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e formação de quadrilha, segundo os policiais e promotores de crimes fazendários. Relata o jornal a fala do Nando, que de voz não ouço há anos: "Estamos tranqüilos. Vamos esperar as coisas acontecerem para que possamos agir dentro da lei"

Será que o aquele garoto teria sido, com o tempo, sucumbido, adulterado, pelo “ Mal da Filargyria” - o apego execessivo ao dinheiro que corrompe o carácter até de gente boa? Será que o Nando perdeu o tesouro que estava guardado dentro daquele coração de menino?

Então porque nós não vamos uma canção? keane: Somewhere Only We Know

Sunday, July 08, 2007

Uma internet para o menino maluquinho.


"A internet é o antro do débil-mental. Só tem idiota na internet." Foi bem isso que vi e ouvi o Ziraldo dizer no programa do Amaury Jr. O vídeo com o trecho da derrapada verbal do cartunista foi colocado no famoso site de vídeo youtube. Nunca havia dado muita atenção ao cartunista. Até então, era-me ele, apenas um senhor de alvas cãs, mestre na arte de desenhar bonecos palito. Como a frase era de enorme infelicidade, despertou-me de súbito, o interesse. Procurei saber mais a respeito desse mineiro de Caratinga, nascido em outubro de 1932. Vasculhei a web e descobri, dentre outras coisas que o epíteto do pai do menino maluquinho é "O homem que nunca broxou", alcunha dada pelo Agamenon.

Pensei em mandar lhe um e-mail. A idéia era demovê-lo da opinião que tinha sobre a internet. A idéia era fazer um 'upgrade' no velho maluquinho. Iria dizê-lo que até o falecido Mário Lago já fizera, há muitos anos passados, um anúncio sobre computadores com o título " Você precisa de uma Amélia do seu lado". Se de tudo me viesse uma resposta malcriada, então lhe diria que no programa do Amaury Jr. ele parecia estar babando, provando que já broxara mentalmente também. Mas quem é refratário a modernidades não haveria de usar mensagens eletrônicas. Caí na real. Babau Ziraldo enclausurado no mundo não virtual.


Sem possibilidades de captulação do Ziraldo, deparei-me zanzando e zangado pela "rede mundial" com a notícia de que o Gerente de imprensa da delegação esportiva dos EUA nos jogos panamericanos compara Brasil ao Congo. O tolo homem branco houvera escrito numa louza do escritório a frase "Welcome to the Congo!" ("Bem vindo ao Congo!") e fora flagrado pelas câmeras do jornal O Globo trabalhando ao lado do quadro com a frase venenosa. Sem Ziraldo, vai o Yanke mesmo. Não deu muito trabalho encontrar o endereço eletrônico do homem. A tática era a da diplomacia - se retornasse impropérios, moralmente arrancaria o escalpe do cara pálida. Mensagem postada e um virar de noite para kevin Neuendorf responder. A senha: Receptividade. Passei a considerar as razões do americano. Não havia razões para não considerar a resposta. O homem não era como o senhor que desenhava bonecos palito. Tratava-se de um moderno profissional que usava todas as possibilidades de comunicação que a inteligência humana concebera. Não que preferia o kevin Neuendorf ao Ziraldo, apenas a internet me aproximara mais do cara pálida - sentia-me mais amigo dele, principalmente pela atenção dispensada, que passo a compartilhar, afinal não era só a mim que ele escrevera. O teor da mensagem do meu preclaro jornalista era para todos os brasileiros. Esta é a minha tradução, que não procurou ser generosa:
"Quero pedir desculpas a você e ao povo brasileiro. Em nenhum momento a mensagem da frase que você leu no sábado teve a intenção de qualquer ofensa.

Estava muito quente no escritório antes de ser acionado o ar condicionado – esta foi a única razão da frase. Não escrevi pessoalmente a frase. Eu amo o Brasil, o Rio de Janeiro. Amo o povo, a cultura e a comida e tudo que o país tem a oferecer. Fui passear em suas praias ontem e estava planejando passar as férias nesta cidade depois que os jogos panamericanos terminassem. Eu e os outros 1.100 membros da nossa delegação dos Estados Unidos ficamos excitados com a expectativa dos jogos. Os organizadores do Pan do Rio foram excelentes, hospitaleiros, e nós e nós não esperamos nada que o melhor deles e do povo do Brasil como anfitriões dos jogos panamericanos 2007. Eu espero que você me acredite, porque esta é a verdade. Eu não quis dar o significado que a frase causou. Peço desculpa pela insensibilidade que não era minha intenção.

De

kevin.neuendorf@usoc.org Kevin Neuendorf ocultar detalhes11:43 (16 minutos atrás)

para
Joel Rogerio
data08/07/2007 11:43


assunto

RE: Kelvin Preconceituoso


I want to apologize to you and the Brazilian people. I in no way meant any harm by the message you saw in Saturday's paper. It was very hot in our office before the air conditioning got turned on and that was the only reason for the message. I did not personally write that message.
In fact, I love Brazil and Rio de Janeiro. I love the people, the culture the food and all that has to offer. I went running on your beautiful beaches yesterday and I was planning to vacation in this city after the Pan American Games are complete.


I along with the other 1100 members of our U.S. Delegation are excited to be in Brazil and experience the Games. The co-Rio organizers have been great in providing first class hospitality and we expect nothing but the best from them and the people of Brazil as hosts of the 2007 Pan American Games.


I hope you believe me, because that is the truth. I did not mean any harm and I apologize for the insensitivity it wasn't my intent.

Tuesday, July 03, 2007

O causo do pinto pequeno



Pinto, se fosse para ser grande, não seria pinto, seria galo! (Bobagem, a verdade é que há pintos maiores que outros pintos). Putz, estou falando de pintos? O negócio mesmo é o encaixe. Se o pé é 36 o sapato deve ser no máximo 37. O grande problema (sem trocadilhos) tem sido os sapatos esculachados dados "de grátis" por aí! (putz, estou falando de quê?)

Leia o Iceberg, em Crônicas doJoel.

Wednesday, June 20, 2007

Orkut com fármaco para matar onça e avivar preguiça.


A preguiça me ataca. E, contraditoriamente, está sempre disposta a instalar-se em mim – por ser aparentemente boa – deixo estar. Mas meto-me cuidado para que a "lombra" não perverta o meu caráter a tornar-me um omisso. Descobri, recentemente, que em dias que consigo vencê-la, sinto-me mais feliz. 'Tá' aí, se pecar é bom, vencê-lo é ótimo e não engorda.

Ultimamente tenho tomado um fármaco para curar a insônia, então a preguiça robusta-se e , invariavelmente me nocautea, mas hoje não feiosa, hoje é quinta, Super-quinta, e até já mandei um scrapt – o tal recado do orkut – deixei lá pro Gripa não esquecer que na quinta à noite todos Colatinenses são pardos, ainda mais com festa junina na Funcab, depois Gatão, talvez... (psiu!). Mais louco é quem diz que sou e nem sabe o que comeu na janta!

Scrapt: Gripa, isso sim é que é super-quinta!!! Na quinta o meu coração não é vazio: é grande e vadio. Na quinta a felicidade espanta o sono pilantra que prefere que eu repouse o meu olhar no fundo de uma garrafa de água mineral. E quinta nunca rimou com enxaqueca.

Tuesday, June 05, 2007

O enfermeiro do céu.

Não lembro bem se foi quarta ou se foi na quinta. Fui lá buscar, buscar a tal maquete. Não era bem uma maquete, era uma representação gráfica, cunhada em relevo. O Ruan sempre me pede um favor - enfermeiro, ele vai ser enfermeiro - acho que pela escolha da futura profissão é que tenho sido bem solícito a ele. Deixamos a motocicleta em casa e fomos de carro, assim não quebraria, era de isopor e representaria a circulação sangüínea.

O Ruan é um tipo que me deixa nervoso. "Vira pra esquerda". "É aqui". "Pára!". Então eu verto uma ladainha de mil terços: “Você ‘tá doido? Quer que a gente atropele alguém ou chape outro carro? Se tenho que virar me fale um pouco antes!". Ele nem liga, parece se divertir em silêncio. No que ele se liga é no celular com as tantas chamadas "Thunder Cats" - ligam para que ele ligue de volta. "Só tem pobre como contato, hein?". Isso o deixa um pouco sem graça.

Chegamos à casa do "Bolinha", sem antes não ter entrado em ruas e becos que não nos levariam à maquete alguma. O "Bolinha", eu nunca o tinha visto antes, acho. Eu pensava que fosse um gordinho pela sugestão do apelido, mas não. Lembro que um garoto - uns vinte anos, por aí - também estudava enfermagem, tinha um sorriso ótimo e olhar atento que nos cobriu de despedida até virarmos para a outra rua. Ruan, falava-me dele: muito legal Joel, muito legal!

Vai que na segunda fico sabendo que o garoto está morto. Nova tragédia, mais quatro da cidade - no sábado ocorrera o acidente fatal com quatro policiais militares - no do domingo o Bolinha. O "Bolinha" dirigia o carro. Quatro para eternidade: uma mulher gestante, uma garota de dezesseis, outra mulher e o "Bolinha", o rapaz boa-pinta e bondoso que iria ser um enfermeiro de sorriso milagroso.

Necessito urgentemente de um Deus para acreditar piamente. Acreditar que o Bolinha esteja no céu.

Dedicado à memória do "Enfermeiro que mora com Deus", de nome Weverson Kirmse